sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Onde nascem os sonhos














Eis que tu surges
e todo o ar se escoa,
esvaindo-se como uma morte líquida
nas minhas veias.

Ao som da tua voz
pára o meu coração
e o corpo abre-se em dois.

Na tua presença
morrem as palavras,
carne e vísceras petrificam
como mármore de Carrara.

A tua existência trespassa-me
para além da alma,
nidificando num lugar mágico,
lá onde nascem todos os sonhos.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Parte de mim













Se tu fores uma estrela,
deixa a tua luz os caminhos iluminar.
Se tu fores um planeta,
possa a vida em ti germinar.
Se tu fores uma lua,
que a luz do sol ilumine os teus dias
e brilhem estrelas nas noites mais frias.
Se fores uma montanha
que nasçam flores
e pastagens em teu redor.
Se fores uma praia,
que não deixe nunca
o luar de te beijar.
E se fores apenas
um graozinho de areia
que nunca deixe o mar de te embalar.
Assim como eu nunca
deixarei de te amar e proteger,
seja qual for o caminho
que escolheres para crescer.



A quem me rasgou o ventre e me floriu o coração.

Alguém
















Quero alguém que seja fraco.

Suficientemente fraco para encostar a cabeça no meu peito e chorar se tiver de chorar,
Ou apenas descansar o cansaço do dia.

Quero alguém que seja leve.
Leve o suficiente para me criar borboletas na barriga e cócegas na alma.

Quero alguém que seja esperto.
Suficientemente esperto para ver o meu brilho de mulher quando eu me escondo de mim mesma.

Quero alguém orgulhoso.
Não importa quão alto salte na alegria, mas quão orgulhoso consegue caminhar depois de cair no chão.

Quero alguém que seja letrado.
Formado na vida, que saiba ler nos meus olhos e decifrar-me o coração.

Quero alguém que seja forte.
Forte o suficiente para levantar-me a alma, levá-la até às nuvens e nunca a deixar cair.

Quero alguém que seja pesado.
Suficientemente maciço para suportar os embates da vida e ainda assim permanecer ao meu lado.

Quero alguém com raízes.
Fortemente enraizado na vida como um velho e altivo carvalho cuja sombra a todos refresca.

Quero alguém monstruoso.
Alguém que deixe sair à superfície o monstro enlouquecido da paixão e me inunde, me invada numa torrente de amor.

Quero um carcereiro.
Alguém que me amarre e me ancore à vida, me inspire, me motive, e me ame duma forma que eu nunca conheci antes.

Quero alguém que seja feiticeiro.
Alguém que se veja nos meus olhos e perceba que é tudo o que eu sempre fui e quis ser.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ad Hominem II - Ama-me porque sou...


















Ama-me como eu sou.
Ama-me por ser eu.

Recuso a perfeição!
Humana sou e imperfeita.
Mas orgulho-me de Ser!
Porque nao existo apenas.
Sou!

Ah, não me faças perguntas difíceis!
Não me perguntes como sou.
Não me perguntes quem sou.
Não me perguntes o que procuro.
Sou apenas eu.
Talvez, quem sabe, em busca de ti.

Pergunta-me antes de que cor são os olhos dos sábios.
Pergunta-me em que lugar secreto se escondem os arco-íris deste mundo.
Pergunta-me que mágica alquimia pode transformar em verdade os sonhos dos deuses.
E eu responder-te-ei ou procurarei para ti uma resposta
Nos velhos Livros da Vida.
Mas não me faças perguntas difíceis.

Ama-me por ser eu.
Ama-me como sou.
Ama-me!

Ama-me,
Terna ou guerreira,
Covarde ou heroína,
Feliz ou infeliz,
Rebelde ou resignada,
Virgem ou fatal,
Menina ou mulher.

Sou apenas eu e todas elas.
Sou o que sou.
O que está nas tuas mãos.

Ama-me por estar dentro de ti.
Ama-me por estares dentro de mim.

Mas não me peças para ser outra que não sou!

Não me queiras num altar
com a alma vestida de pedra ou porcelana.
adornada de ouro e flores,
à luz das velas da devoção dos outros.
Intocável.
Infértil.
E só.

Ama-me,
Nua,
Despojada,
Plena,
Insubmissa,
Mas Mulher,
Ao alcance das tuas mãos peregrinas.

Fertiliza-me com esse amor
Que exilaste de ti,
Que te recusas.

Ama-me como sou.
Sou para ti.
Sou apenas tua.

E sou eu!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Eterno momento

















Ouso querer quem me desperte,
como luz do sol por entre a negra floresta
onde me escondo.
Ouso querer quem me inflame,
como hélio no espaço interno duma estrela.
Alguém que caminhe para mim,
e a meu lado,
como quem marcha sob um hino de guerra
e depois me abrace e me embale,
com a doçura dos caminhos de infância na aldeia,
à luz da madrugada.
Ouso esperar por esse alguém,
mestre na sinfonia do amor,
maestro que dilua em nós a inspiração e
componha em mim a sua obra-prima.
Alguém que venha dedilhar
nas teclas ávidas do meu corpo
um arrebatador prelúdio e
faça vibrar em harmonia as cordas
sensíveis da minha alma.
E nos gestos de ternura,
no mais profundo silêncio,
nada ficará por dizer,
num momento eterno de amor.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Colisão

















Em spin,
Como partículas electrónicas de carga contrária
Que se atraem
E um sobre o outro
vão fechando o cerco.
Inexorável,
Inevitável colisão.
Há milénios o Grande Físico abriu a mão e
Nos lançou no Universo quântico.
E o Mago escreveu no Livro das Sombras,
Arúspices leram nas entranhas e calaram,
Sacrilégio!, gritaram Vestais,
Em silêncio, o Áugure sorriu.
As leis que regem o Mundo não se podem ignorar!
Tu és o meu iman,
Meu destino,
No mesmo campo magnético vibramos.
A mão do Criador selou a profecia:
Eu em ti e tu em mim.
Em rota fatal de colisão.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Nuvem














Sou nuvem insegura
que procura refúgio
no brilho das estrelas.

Porém, na intangibilidade dos sóis longínquos
refugio-me no brilho do teu olhar.

Geometria de nós
















Como duas linhas paralelas que juntas percorrem o mesmo eterno espaço.

Lado a lado, companheiras, partilhando sentido e direcção.


                                                                  Sem nunca se tocarem.
                                                                
                                                                  Até ao infinito.

Espera














Esperarei por ti
até que o infinito se consuma
e o Universo repouse,
reduzido ao seu último átomo,
na Mão trémula do Velho Criador.

Esperarei por ti até à morte de todos os deuses.

Quem sabe,
esperarei ainda depois...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Por onde os ventos uivam (Requiem por um sonho)




 

"E se a luz que há em ti for trevas,
Que grandes trevas serão."

Tenho um buraco no peito.
Por onde os ventos uivam e os sonhos se esvaem.
Porque me roubaste um pedaço de coração e me deixaste assim
muda e queda,
frágil, à mercê dos ventos dos mundo?
Tenho um buraco no peito que a tua ausência rasgou.
Porque te empenhas em guardar a sombra lá onde a escuridão te escondeu?
E enquanto os dias não chegam e a sombra é dona e senhora de ti,
solta esse pedaço de mim que guardaste nas tuas mãos.
O vento há-de trazê-lo de volta.
Em cinzas.
Do que entre nós se finou.
Do que entre nós nunca começou.

domingo, 7 de novembro de 2010

Guardarei

Guardarei os teus olhos de breu
Na escuridão da minha noite.

Escreverei os teus segredos na areia
Para que os leve o vento,
Ou os esconda o mar.
E na Lua breve
Amanhecerei o teu silêncio.

Ah, tu não sabes, mas eu sei,
Que o teu nome é feito da
Poeira das estrelas,
E que na tua voz,
Ressoam todos os cânticos dos
Velhos Marinheiros que o mar tragou.

Não tenho nada para te dar
Senão a nudez das minhas mão vazias
Para prencherem as tuas.
Não me tragas nada
Senao a tua asa
Para juntar à minha.

Escuta!
Já cantam as bruxas no
Sabat da madrugada e
As sereias embalam os
Amantes nos seus cabelos de prata.

Voamos?

Os deuses são sádicos
















Fecha os olhos.

Não os abras.

Ah, se os deuses soubessem a cor dos teus olhos
arrancar-tos-iam para fabricar as estrelas.

Ad Hominem















Não me interessa o rosto do homem.

Não lhe inventei o rosto.
Inventei-lhe o olhar, o sorriso, o beijo.
Inventei o Homem
Inventei o Ser,
A força, a ousadia, a coragem o desejo e a
Rebeldia de viver.

Não me interessa a cor dos olhos que inventei.
Não lhes inventei a cor.
Inventei-lhes a expressão no olhar
(E essa eu sei de cor!).
Inventei-lhes a paixão, o fogo, o calor,
A força que os incendeia e me abrasa,
a chama que me inflama.

Não me interessa o desenho da boca.
Não lhe inventei o desenho.
Inventei-lhe o sabor dos lábios.
A doçura, o riso aberto em cascata,
Puro, límpido e transparente,
O sorriso de quem sabe mas não precisa dizer.
O beijo que desejo,
Que ouso querer e me atormenta,
As palavras que imagino.

Não me interessa a forma das mãos.
Não lhes inventei a forma.
Inventei-lhes a ternura dos dedos peregrinos,
A musicalidade, a harmonia,
A suavidade para percorrerem
O teclado ansioso do meu corpo
E nele comporem a nossa maior sinfonia.

Não me interessa a largura do peito.
Não lhe inventei a largura.
Inventei-lhe o aconchego,
O espaço para repousar a cabeça
A força e a ternura do abraço,
E a estranha sensação
De sentir no meu o seu coração.

Não me interessa o corpo.
Não o inventei.
Inventei-lhe a alma,
Rebelde e insubmissa.
Inventei.lhe o estigma,
O carisma de quem sabe
E procura o que quer.
E a força de ser, essa não a imagino.
Sei!

Porque foi o Homem que eu inventei.

Tudo isso eu pude inventar.
Mas apenas como um hábil escultor
Que inventa a sua obra prima.
Como artista, não passou duma escultura,
Como obra, não passou dum sonho.
Porque não pude inventar-lhe a vida.

A vida é obra dos deuses.
E esses continuam sádicos...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Se o amanhã começar sem mim



















Se o amanhã começar sem mim
Tenha eu a sorte de ter uma lápide
na terra onde adormecer.
E duas datas, apenas.
Apenas duas.
Não quero lá poesias,
Nem choros em prosa,
Saudades eternas deste e daquele.
(A saudade não é eterna,
Dura o tempo do bater dum coração.)
Só quero duas datas.
Não preciso de mais.
O que interessa é somente o que fiz entre elas.
Como usei o tempo que o Universo
(Ou Deus, sei lá!) me emprestaram.
O que interessa é o que imprimi nos corações que toquei,
a pegada que deixei na vida de outro alguém.
Por isso,
Duas datas.
Nada mais.

Solidão






















Garrote que aperta o coração.

Terra infértil que o olhar alheio salgou.
Nada.
Com nada em volta.
Espectro vivo,
Testemunha da solidão dos outros.

Porque não são menos sós
Os olhos que me salgaram.
Apenas a ilusão os sustém.
Olhos vazios,
Alma errante.

E todas as mãos continuam vazias.

Infinitesimais















Vivemos num bater de coração.
Morremos num olhar.

Dois segundos apenas.
Uma vida.
E entre um e outro segundo
O Universo continua a expandir-se.

Que seres infinitesimais que somos!
Poeira cósmica e nada mais.

Basta apenas um olhar.
E o coração deixa de bater.

Mas o Universo continuará a expandir-se.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Arúspice
























Athame e Bolline
Vassoura
Bastao e
Tesoura.
Teixo, freixo
E Manjericão,
Artemísia, Salgueiro
E avelaneira.

Eu fui feiticeira,
Filha da Lua,
Vestida de céu.
Sem mágoa ou pecado
Ardi na fogueira
Na noite mais nua
Envolta no breu
Do tempo passado.

E no Livro das sombras
Que hei-de escrever
Erguida das cinzas
Da água, da terra e do ar,
No Esbath lunar
Serei a mulher
Que te há-de encantar.

Poções e magia
Chuvas e ventos,
Benção, oração,
Orgia, Alegria
Na feitiçaria,
Na calma e na alma,
Celebração.

Equinócio e solstício
Covent de bem querer
Sabath encantado
Eclipse de paixão.
O meu sacrifício
Há-de trazer
O mago amado
Ao meu coração.

Arúspice negro
Que me rasga as entranhas
E a morte me dá
Em terras tão estranhas
Tão vis e tamanhas
Que anjo será?
Que mal eu te fiz,
Oh bruxo aprendiz?

Asas de morcego, canela e mel,
Brilho das fadas, urzes do chão,
Mandrágora e vinho, pele de cascavel,
Unhas e dentes e pós de dragão,
Tudo juntinho, ardendo na chama,
Tudo fervendo no meu caldeirão.
E um gato preto, pelo sim, pelo não
Velando o feitiço, na minha cama.

Anjo insubmisso, eu quero
Um feitiço bem forte,
Pela água, terra, fogo e o ar,
Pela triste sorte em cada morte.
Te darei a força, ficarei exangue,
E quando nada mais tiver para te dar,
Dar-te-ei a vida, dar-te-ei o sangue.

A alma, não,
Que não é minha para dar.
Veio das estrelas,
P´ra lá do Luar.
Ergue-se o cálice
Abençoado,
O branco feitiço
está consumado.

Reencarnar?
Só para te encontrar.

Cruel


















Vou pegar fogo à tua alma
E desfazer em cinzas todas as tuas crenças.

Vou conquistar o teu mundo
E expulsar-te do paraíso insosso em que te escondes.

Levar-te-ei com Legiões de mim
Ao mais escarlate inferno dos sentidos.

Com pura malvadez
Te seguirei.
Tragicamente tua
Far-te-ei obedecer.
Não questiones o teu destino.
Não me desafies.
Estou a teus pés
Como tigre manhoso
Aguardando a hora fatal da caçada.
Cruelmente, és meu.

Escrevo promessas no sangue desvairado
que hei-de misturar com o teu num sabat de paixão.

Com gritos de amantes te abrirei o seio
E farei do teu peito a minha casa.

De ti fiz um poema

















De ti fiz um poema.
Poeta não!
Poetas são tolos que pensam domar os sonhos
Com a sua rima frágil de palavras.
Confiante, escrevi-te
E li-te até te saber de cor.
Trepei pelo poema acima,
Palavra por palavra,
Rima por rima,
mas pobre de mim,
Ganhaste asas
E voaste,
Pleno de poesia.
No espaço te afastaste
Levando o poema que eras contigo.

De ti fiz um poema.
Poeta não!
Poetas são meros espectadores do mundo
De dentro de si próprios, da sua criação.
Tu eras para mim a própria arte.
Eu, pobre aprendiz de poeta,
Caí do poema abaixo,
Do vazio que o meu poema inacabado deixou.
Tropecei na palavra fim,
Que tu deixaste algures, e lá fiquei,
Pequena e insignificante
Como um ponto final,
Que tudo o que tem pela frente
Não é mais do que o branco
Duma página em branco.

Tudo quanto restou.
Vazio dum poema que o poeta não terminou.