quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Os deuses moram na terra


Lua Cósmica


A ti,
que lanças as preces para o alto
e ergues as mãos para o céu,
te digo
que os deuses moram na terra
escondidos de quem os esqueceu.

Não, mortos não estão.
os deuses não caiem no céu,
nem apodrecem na terra.
Quando morrem,
jazem no coração.

Por isso,
reza para o chão,
que cada pégada
que deixas impressa
é uma oração.

Crescente


Portal da Luz


Tenho um crescente no peito que me vem  do coração.
Estigma  de prata  ardente  da Lua  em  noite
de  iniciação. A Mãe  antiga   habita 
em  mim, água,  luz, e emoção.
Abre-me   os   olhos,
oh   Mãe,
deusa
da
liberdade,
deixa-me   banhar
nesse  rio  em que  se
espelha  a  verdade.  Afasta
de  mim  o  cálice  das  trevas  e o 
fogo da ilusão, dá-me  a força  das  ervas
daninhas  que  insistem  em  viver  rente  ao  chão.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Rio selvagem



A minha vida é um rio
selvagem
que se revoltou
contra as margens.
Águas turvas
lamacentas que
o tempo contaminou.
Escavou fundo no leito
perdeu-se nas entranhas
do mundo.
Voltou à luz
acendrado
sem mágoa nem pecado
derramado em
praias estranhas.
Procura foz que o acolha
e o deixe desaguar.
O meu rio tem vida incerta
e insiste na descoberta.
Irá acabar noutro rio
ou na solidão do mar?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cumpro o meu caminho


Imagem de Your Chosen Path


Com a alma vergada pelos sonhos
que a vida prometeu mas não cumpriu,
cumpro eu o meu caminho,
arrancada pela raiz
pela mão dum deus
que o jardim livrou de ervas daninhas.

Outonei-me com as folhas vermelhas
das árvores nuas e
vou com o vento doido,
etérea e fugaz,
sigo no choro da chuva.

Da ponta dos meus dedos frios
nasce mais um sonho
e outro
e outro.
Abandono-os à beira da estrada,
imperfeitos,
para quem vier atrás
e acredite.

Sigo só
com a minha noite.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Boneca de trapos




A boneca de trapos ama as mãos que a manipulam.
Mesmo quando lhe arrancam o coração de algodão
e lhe revolvem as entranhas de farrapos,
mantém o sorriso rasgado,
desenhado a tinta tosca num rosto de serapilheira.

A boneca de trapos não tem mais ninguém para amar
senão quem a faz sofrer.
E quando as mãos cruéis
a lançam em fúria na fogueira,
aquele sorriso é o último a arder.

No voo esparso das cinzas que se erguem do lar,
cumpre assim o seu último ritual.
Levada pelo vento das sílfides
para arrebanhar nuvens e céu,
a boneca de trapos é imortal.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Genesis



O diabo zangou-se com Deus,
quis engolir a luz,
mas engasgou-se e cuspiu-a em pedaços.

Nasceram as estrelas.

(Ou seriam os teus olhos?)

A divisão das almas




Em quantas partes se divide a alma?

Dizem uns sábios que antes de nascer
celebrámos um pacto com Deus
e que a alma nos foi partida
em dois eus pelos mundos dividida,
sem uma da outra saber.

Guardam os meus lábios a marca do dedo
do anjo que me impôs silêncio e
a alma em duas me talhou.
Mas o coração lembrou
e descobriu a traição.

É por isso que vagueio à aventura na vida
em busca do que é meu,
a parte que me foi tirada e que me procura.
Diz-me agora, anjo ateu:
E o coração, tem divisão?

Pianos




Vinte dedos.
Dois pianos.
Feitos de pele e desejo.
Harmonia.
Duas bocas.
Um beijo e
a mesma melodia.

Em ti vou aprender solfejo,
piano que quero dedilhar.
Um dia...
Ah, quem sabe, um dia,
aprenderás a amar.

Luto




Não há maior luto
que a ausência de quem
se afastou em vida
mas teima em ficar no coração.

Incerteza




Tua pele, madrugada.
Minha pele, crepúsculo.

Teu corpo o princípio dum final derradeiro.

E eu somente o fim dum incerto começo.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Abismo

ideiasdoatlante


Porque entre os teus lábios profanos
nasce a loucura que me devassa a vontade,
eis os labirintos de volúpia onde me perco
em busca de promessas de amor.

Mas nesse abismo sensual,
colho o teu silêncio também,
porque as palavras que nunca me dirás
guardam os segredos que eu quero ouvir.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A minha casa



















O poema é a minha casa,
onde me deito nua sobre
o beijo das palavras.

Desejo

























O desejo
é uma coisa mecânica
que atropela as madrugadas.

Luxúria tirânica
que me rasga inteira
com pégadas
de fogo.

Castigo de Eros
que em fúria
me incendeia
quando sonho contigo.

A urdidura do sonho

















Sonha
que sonhar é correr
à frente da vida,
ver mais além,
com olhos maravilhados de vidente.

Sonha
e deixa para trás
as conjecturas dos filósofos
para quem tudo é apenas
desejo e dúvida
ou uma busca infinita da Psique.
Freud e Jung não tiveram
ensejo de sonhar
e correram somente atrás da vida.

Sonha
que o sonho não te desilude
nem te atira ao chão,
pairarás em liberdade
sobre o caos e a escuridão.
E se caires dum sonho,
tombarás nas nuvens.

Sonha
que a vida pode não ser
um sonho
mas é a urdidura do sonho
que ilumina a vida
e perdura no teu anoitecer.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Hinc illa lacrimae

























Como não quereis que chore
se o mar me invade os olhos,
me corre nas veias
e transborda nas marés da alma?

Á alma lusa não lhe corre sangue nas veias
mas água salgada.

sábado, 4 de junho de 2011

Importa celebrar o vazio





















É no teu peito vazio que me recolho.
As tuas mãos vazias preencho-as com as minhas.
No caminho incerto e solitário do teu olhar
encontrarás a companhia dos meus olhos.

E à medida que a dor for escavando
um buraco inútil no teu coração,
semeando o vazio e o silêncio,
virei de seguida enchê-lo
de risos em cascata,
de cânticos alegres
de luzes de todas as estrelas,
murmúrios de luas,
e da alegria dum bater de asas
na frescura das manhãs,
da inconsciência feliz duma bebedeira de medronhos,
de juras de amor.

E enquanto tu aprendes
na lição da partida,
ensinar-te-ei o valor da chegada.
Porque o que importa é celebrar o vazio,
não pelo que se foi,
mas pelo que se pode vir a ser.
E preencher.

Para que dentro do teu vazio
exista um pouco de mim,
um toque,
uma pegada,
uma impressão digital,
um olhar,
um murmúrio,
um desejo.
Um beijo.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Minha estrela cadente










À toi, Petit Diamant




E se te cansares de brilhar no céu,
satisfaz o meu desejo:
Cai nos meus braços.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Saudades














Tenho saudades do tempo em bastava ter saudades p'ra te ver.
Tenho saudades das saudades que sentia.

De que me serve agora ter saudades,
se não são saudades de ti,
mas das saudades que podia?
Não, estas não posso, amor, não as posso ter!
Porque são saudades das saudades que sentia,
e do tempo em que bastava ter saudades, p'ra te ver.

Saudades podia...

Teus olhos de amado



"Ô bien-aimée, quels yeux tes yeux..."


Teus olhos aprisionaram os meus-

Cruelmente.
Inexoráveis e fatais.

Teus olhos se apossaram de mim
e eu me apossei dos teus.

Rebelde eu sou.
Insubmissa.

Mas faço do teu olhar minha vontade!

Teu olhar envolve-me.
Atormenta-me.
Em teia fatal me enleia.
É bandido o teu olhar:
rouba os meus segredos,
viola os meus sentidos...
Acende-me e incendeia-me.
Num único lampejo,
teus olhos se dissolvem,
tecendo estradas de luz no meu desejo.

Erótico,
sensual,
teu olhar fatal
permanece muito aquém do bem
e insiste para além do mal.

Teus olhos têm o segredo de saber revelar.
E é de pecado feito o teu olhar.

Mas não faz sentido
teu olhar de perseguido
aprisionar o meu!

Fascinação amor,
é apenas e tudo isso.
Paixão.
Insuportável.
Inexplicável, sim, também.

Mas,
nesse olhar
malvado,
maroto,
atrevido,
eu sinto e vejo,
teu desejo,
meu sentido,
crescer em mim,
ser toda eu,
e nesse instante, amor,
o teu olhar já não é teu.

É meu!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O meu rio

                                                                      









Foto de Nasb69 publicada no Google Earth



Fica!
Que quando o meu rio
se alonga,
se alvoroça
e chora
e invade assim as ruas,
é porque não lembra o teu rosto
e te procura nas margens.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Perdidos
















Eu podia adormecer no teu sorriso
como quem morre de espanto,
e cair no teu silêncio,
povoar os teus sonhos,
talvez.

Eu podia seguir os teus passos
no rasto das estrelas
como pássaro nocturno e predador.

Eu podia cair no teu corpo
como amante ensandecida.
Abrir-te o coração e
saciar o meu desejo de nós.

Mas enquanto eu me perco no poema,
Por onde te perdeste tu de mim?