quarta-feira, 11 de abril de 2012

A Malvada




Deixei aberta a janela para o amor chegar.
Não, a porta não abri.
Porque o amor deve ser ágil e saltar obstáculos,
ter a vontade de chegar aqui,
ignorar vaticínios dos oráculos
e saber qual a janela por onde entrar.
Eis senão quando espessas e negras asas
me envolvem como brasas,
num abraço da solidão.
A intrusa chegou em minha casa voando,
e a mim me fez reclusa da escuridão.
Instalou-se na minha cama,
vestiu o meu melhor pijama,
meteu o nariz em tudo o que é meu
e à chama da lareira se estendeu.
Ronrona a meus pés como um felino,
confiante de que aceito este destino
e deixarei que me seque o coração.
Penteia-me os cabelos com desvelos
e dedos descarnados de paixão.
Gira à minha volta como traça na luz,
à solta no meu espaço,
entre um e outro abraço,
cuidando que é assim que me seduz.
Segue-me mansa e doce,
insinua-se como vampiro,
bem juntinho ao meu pescoço.
Mal sabe ela que eu conspiro,
que intento a rebelião
e já transpiro de irritação.
E neste á-vontade que revela
como se estivesse no seu lar,
a malvada fechou-me a janela,
talvez com receio de se constipar.
Vou corrê-la á vassourada
para que saiba como é indesejada.
Talvez usar um insecticida em spray
à laia de despedida,
pois que mais fazer não sei,
p'ra enxotar esta bandida.
Para não ser acusada de maltratar a solidão
(quem sentiria a sua falta, afinal?)
vou deitar-lhe Prozac no vinho
que bebe do meu cristal,
arrastá-la pelo colarinho
e pendurá-la no estendal.
Cá por mim, nesta noite tão fria,
pode bem morrer de pneumonia,
que eu só quero ver-me livre dela
e voltar a abrir a janela.

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