quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O meu anjo desasado




Eu nasci quando Deus dormia
e quem me fadou foi um anjo coxo e desasado
que só sabia cantar.
Não me assistiram fadas,
nem bruxos me enfeitiçaram.
Nem um só parou para me olhar.
Caí na vida, como pena
das asas que o meu anjo não tem.
Nunca Deus me viu,
porque dormia,
e o que nasce no sono do Deus não existe.
Continuo com esse anjo desasado
a cantar no meu ouvido,
às vezes desafinado.
Sinto-me capaz de caminhar
embalada nas suas notas,
ora harmónicas, ora dissonantes.
Fica sempre á minha esquerda,
inclinado,
substituindo o vazio de outro abraço.
De vez em quando ri-se,
o desastrado,
de mim e do mundo.
Até do Deus que ainda dorme.
Recolhe as minhas penas,
em segredo,
uma por uma,
apanha-as do chão.
Com elas, um dia voltará a ganhar asas,
mas será sempre o meu anjo coxo e trapalhão.
Seguimos os dois,
como bêbados amparados na tontura,
embriagados por esta vida
que nos aconteceu quando Deus dormia.
Vamos como água
por entre pedras e limos,
como vento correndo na invernia dos salgueiros,
ou vagabundos nas ruas de todas as portas fechadas.
Quem sabe, vamos como lágrimas presas
nos olhos de amantes abandonados.

Desasados vamos os dois,
em dueto,
sonho do Deus que ainda dorme.

1 comentário:

Anónimo disse...

[me senti dentro...emocionei]