Não nasceu pássaro.
Mas quis voar!
E enquanto os outros jogavam ao berlinde
Ele contava asas nas nuvens
E estou em crer que acreditava
Que a alvorada rompia vermelha e feroz no coração dos pássaros
E o sol se erguia com o primeiro piar.
Não lhe cresceram asas.
Mas quis voar!
E enquanto os outros aprendiam a soletrar e a cantar poemas,
Ele rimava alfazemas e colibris,
Marés com gaivotas
E corvos com a noite escura.
Não tinha bico, nem garras.
Penas? Cresceram-lhe no coração, não nos braços.
Mas quis voar!
E enquanto os outros mediam Q.I.’s
E médias para a universidade,
Ele alojava ventos no coração,
os ventos onde viviam os pássaros.
Madrugadas também.
As dos pássaros.
Passava os dias na falésia,
Os olhos no abismo das asas,
Não das pedras,
Onde um e outro voo lhe entrava na alma como um desafio.
À noite passava fome,
Escorraçado pelos semelhantes por se parecer com as aves.
Um dia, ao crepúsculo sobre o abismo,
Abriu os braços,
(como se fossem asas)
Para voltar para o ninho como os demais pássaros.
Passou um, rasando-lhe a testa,
E eis logo outro que o despenteou, convidando:
- Vem daí, irmão!
E ele foi. E voou!
Não tinha asas, não.
Não sabia.
Acolheu-o o mar, como se ele fora gaivota.
Todas as asas o vieram velar nessa noite.
Até os anjos que nunca acreditaram que pudesse voar.
A alvorada rompeu, vermelha e feroz, no coração dos pássaros
E o sol despertou com o primeiro piar.